Uma viagem inesquecível
A sensação de ter visto uma obra de arte. Foi isso que senti ao término de "O Idiota - Novela Teatral", uma das atrações da recém-terminada edição do Festival Internacional de Teatro (FIT).
"O Idiota", da mundana companhia, é menos um espetáculo de artes cênicas e mais uma experiência, uma viagem que se faz com aqueles atores, a bordo da direção inventiva de Cibele Forjaz, tendo como guia uma dramaturgia, que, brilhantemente, transformou os 50 capítulos do livro de Dostoiévski em 12 cenas estonteantes.
A "viagem" é longa: sete horas e 15 minutos de duração. Mas o trajeto e as companhias não poderiam ser melhores. E o destino, bem o destino é a tal obra de arte de que falei no início. Te parece loucura, leitor? Pois te digo que não é.
Quem ama teatro sempre está disposto - ou pelo menos deveria - a se entregar a uma proposta inovadora. E, claro, que causa estranheza imaginar que se vai ver uma peça que dura mais do que uma ida de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro.
Mas, como disse o ator principal de "O Idiota", Aury Porto, na coletiva de imprensa: "E as oito horas que as pessoas passam em seus trabalhos infelizes cinco dias por semana durante 30 anos? E o tempo que tomam para fazer coisas desagradáveis?".
É isso. Causa mais estranheza passar sete horas vendo uma peça do que na fila para comprar ingresso para o show de um ídolo, por exemplo.
Para todas as pessoas com quem falei que iria ver um espetáculo de sete horas, todas - da minha faxineira a colegas de trabalho -, me taxaram de louca. Todas, exceto João Mascagna, que soltou um "que legal", quando contei sobre a minha empreitada.
Pois, foi mais que legal. Foi uma experiência para se levar para a vida toda, dessas que nos deixam bem por dias, que vão ficar trechos na memória para sempre. Por que é desse material, que nunca acaba, que é feito uma obra de arte.
Como esquecer a abertura de "O Idiota", em que os atores se tornam personagens aos nossos olhos, e, dependendo da onde você estiver sentado, tem os detalhes de um, mas não o de todos? Como tirar da memória o olhar de um deles que fixa no seu, como a dizer: "você faz parte disso"?. Como não ficar para sempre com a interpretação pungente de cada um dos nove atores, que nos fazem acreditar que estamos mesmo numa viagem de trem de São Petersburgo para Varsóvia, ao mesmo tempo que nos lembram que estamos no dia 20 de julho de 2012? Como tirar da retina a partida de uma das personagens, que, ao abrir a porta do local da apresentação, nos faz ver uma praça, a praça Ruy Barbosa? Como não lembrar para sempre do elenco, extasiado, mas feliz, ao final do espetáculo, nos dando a certeza de que a viagem valeu muitíssimo a pena?
Valeu a pena porque ali estavam pessoas que reconheciam um nos outros o amor pelo teatro. Os atores por se entregarem a uma performance que exige muito, sim, do seu talento, mas não menos do que seu esforço físico e mental. E os espectadores por acreditarem naquela proposta e aceitarem seguir viagem.
"O Idiota" já faz parte da minha lista de melhores de todos os tempos. Depois dele, não tinha mais vontade de ver nada. A sensação era que tudo seria menor, como foi... Até mesmo o ótimo "Estamira". É isso o que difere uma obra de arte de um bom espetáculo.
E o FIT, mais uma vez, me proporcionou ver algo que não veria se não fosse por ele. Foi assim com "Aux Pieds de La Letre", com a Companhia Dos a Deux, com "A Vida É Cheia de Som e Fúria", da Sutil Companhia, com "O Banquete", do Oficina, com "O Escravo", do Farm in The Cave...
SILVANA MASCAGNA escreve no Magazine às quartas-feiras. mascagna@otempo.com.br
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