em breve O DUELO !

em breve

O DUELO
de Tchekov

direção Georgette Fadel

mundana companhia


link para Pais e Filhos
http://paisefilhosteatro.com/
conheça o processo de montagem

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

processando a música idiOTÁVIO


"Esta Balalaika chegou até mim vinda de Moscou, pelas mãos de Ricardo Moranez, caboclo iluminador intergalático. Talvez esse instrumento tenha vindo nessa viagem com o destino certo de, no Brasil, voltar para Rússia. Rússia d’O Idiota, Dostoievski. Mas aqui, Rússia brasileira, que a Balalaika ainda não conhece muito bem, ou conhece tão bem. Não sei. Ela já pressentia a Rússia brasileira - ainda em Moscou assistiu a Boca de Ouro, Nelson Rodrigues levado à Rússia pelo Teatro Oficina. Ricardo estava nessa, iluminando, quando fechou o foco na balalaika.
Balalaika - Otávio Ortega

Uma vez ele comentou sobre a quantidade de bocas de ouro na Rússia, nos sorrisos russos desdentados mas com ouros, coisa de eslavos, de ciganos, carregar sua fortuna cravada na boca, brilhando dourada como cúpulas. Nelson Rodrigues e Dostoievski têm o mesmo ouro na boca. O Idiota tem ouro e fogo em suas páginas.
Gravei esse dedilhado tateado na balalaika. Estamos em começo de namoro. Transamos um Noturno de Tchaikovski. Havemos de cair no samba e na seresta, no choro e no fado, na farra e na sargeta, quiçá guitarra baiana, havaiana, cigana, flamenca, cavaco chorando...sei lá, estamos namorando."


Otávio Ortega

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

ENVELOPE 3 | 1.12.2008

ROTEIRO GERAL
A casa dos Ívolguin. Espaço exíguo, consciência oprimida. As brigas. A chegada de Nastássia Filípovna.

SUPEROBJETIVO
Aninhar Míchkin na casa de Gánia
(ou seja, na casa dos Ívolguin),
revelar o conflito familiar da casa
(casa dos Iepántchin: estabilidade, ainda que falsa;
casa dos Ívolguin: a periclitância absoluta);
fazer com que no “álbum de família”,
por conta de uma sineta emperrada,
Míchkin desempenhe o papel de Cristo Não-Revelado,
disfarçado de criado,
e depare-se cara a cara, pela primeira vez, com Nastássia Filípovna.

A casa dos Ívolguin é o extremo oposto da amplitude e da quietude (enganosa) da casa dos Iepántchin. É apertada, sublocada, um barril de pólvora. Quase uma casa de pensão, sustentada pelas mulheres, tanto no que se refere a dinheiro quanto a honra. Os homens, aqui, são fraquíssimos, e nessa fraqueza reside a sua beleza arrevesada.
O general Iepántchin pediu – na verdade, mandou, porque Gánia não tem poder diante desse general, que é a contraparte da decadência do general seu próprio pai – que Míchkin, simpático mas incômodo, se hospedasse na casa dos Ívolguin. Míchkin fica “no quarto do meio”, ou seja, entre o quarto de Ferdíchenka (atenção ao acento: é uma proparoxítona) e o quarto do general Ívolguin, vergonha absoluta da casa, que dorme com o filho pré-adolescente, Kólia, espécie de babá de bêbado. É a ausência do pai em presença, que ainda se mantém de pé por causa do filho mais novo e caminha pateticamente em direção à própria morte. O general Ívolguin tenta impor o limite, mas, não se dando o próprio limite, acaba sendo o palhaço que é.
Ao contrário das mulheres da casa das Iepántchin, que vivem no luxo do sem-tempo, na casa dos Ívolguin o tempo é de fato dinheiro: quartos alugados, muito álcool, treme-treme. Um puteiro – sem o tônus de um puteiro. Como se a grande mãe dessa casa, Nina Ívolguin, fosse a dona de um puteiro e quisesse ser madona de um mosteiro. Assim também Vária Ívolguin, a irmã de Gánia, que tem uma paixão rodriguiana pelo irmão: ama odiando. O incesto puro e certo. Tem ciúme do irmão, e ao mesmo tempo ódio da personalidade arrivista dele, que no entanto é gêmea da sua. É a casa dos conflitos, é a casa da consciência apertada, em que as mulheres acusam e condenam os homens com a justiça feminina, que não tem nada a ver com a lei dos homens, que não tem nada a ver com a lógica masculina. Aí moram os mandriões que freqüentam a casa de Nastássia Filípovna. Gánia é o seu modelo de fracasso. A casa dos Ívolguin é um antro que queria ser palácio, onde impera o fracasso da grande promessa que eram os homens.
Aqui, espaço = consciência. Aqui, luz = consciência. Aqui, figurino = consciência. Tudo aperta, ainda que largo.

Aqui é onde se dá a briga de família: Vária cospe em Gánia, Gánia esbofeteia Míchkin. A mãe aprova e desaprova o casamento de Gánia com Nastássia Filípovna. Álbum de família. Nastássia Filípovna faz uma visita à família do seu suposto noivo, toca a sineta quebrada, que não soa; é Míchkin, por acaso, que lhe abre a porta, e é confundido com um criado da casa. Mas a casa não tem criado. É um mito cristão: ser-se tomado como plebeu, sendo que se é rei. (A crueldade dos santos almejam isto: não nos reconheceram, agora se arrependerão. Todo casto é um obsceno, todo santo é um déspota, ainda que sem querer.)
Nastássia Filípovna é uma gigante dentro dessa casa-consciência apertada. O tom do figurino de Nastássia Filípovna é esse mesmo: inadequado, com o desejo de humilhar como quem precisa se defender, roupa de noite em pleno dia.

Ragôjan chega. No romance, com o seu bando. Aqui, sozinho. Ele vem como um lírico, e não como um épico. Ele vem como poeta, um Maiakóvski intempestivo, e não como um exército de beberrões. O leilão de Nastássia Filípovna acontece aqui: Ragôjan oferece a ela todas as possibilidades de dinheiro do mundo. E acaba dizendo que vai trazer mais. (Ragôjan daria de fato cem milhões de dólares por essa mulher, e não apenas cem mil rublos, como está no romance.)

O figurino de Ragôjan traduz a sua personalidade. Imagine-se um mujique, um camponês, um sertanejo, vestindo gravata pela primeira vez. Roupa de negócios cobrindo um coração selvagem. Docemente selvagem, mas selvagem. E apaixonado, em pleno cio. Ragôjan: a urbanidade desajeitando-se em alguém que é pura terra. O dinheiro é uma das poucas coisas modernas que lhe dizem respeito. Mas o seu dinheiro é um capital pré-capitalista, com o seu tanto de medieval: o ouro que pode comprar princesas. Uma criança que quebrou o porquinho e pensa que pode comprar o mundo.

A luz da casa dos Ívolguin. Ao contrário da luz dos Iepántchin, aqui não há lustres, e sim lâmpadas nuas, velas, abajures encardidos, resistências. Na casa dos Ívolguin não se paga a conta de luz, e as mulheres tricotam à luz baixa. Baixa, literalmente: as rugas e o desgaste do tempo ressalta nos semblantes. Espaço cansado, luz cansada. A luz pode faltar de fato, cenicamente, em determinado momento; na entrada do general Ívolguin, por exemplo, que se prontifica a acender uma vela.

Para a casa dos Ívolguin, não há nada específico em termos de música. Mas o tema da sineta é seminal. Durante toda a ação da casa, Nastássia Filípovna está tocando uma campainha emperrada. Todas as personagens podem ouvir de vez em quando alguma coisa tocar. É Nastássia Filípovna que ronda, e é a primeira aparição realista dessa personagem, e é o primeiro encontro ao vivo de Míchkin com ela. Mote musical “Tango russo” (“El sol sueño”), tocado magistralmente por Gidon Kremer, em homenagem a Piazzola.

(A cozinha do galpão da Companhia Livre, com todas as suas limitações e possibilidades, evoca, salvo engano, a casa dos Ívolguin.)

O figurino de Gánia destoa, mais uma vez, do ambiente em que age. Um plebeu vestindo a roupa roubada do rei. E a beleza melancólica de não se ajustar na própria roupa. Os Ívolguin usam roupas radicalmente diferentes da dele. Atenção especial ao general Ívolguin: tudo nele remete ao tempo de Napoleão (as primeiras décadas do século XIX) e a uma nobreza esfacelada. Assim como Gánia chama atenção pela sua janotice modernosa, o general Ívolguin, seu pai, destaca-se pela cafonice felliniana. Aliás, o general Ívolguin é digno de uma trilha felliniana. Grosso modo, a casa dos Ívolguin ganha muito em ser lida como uma casa italiana.
MOTES PARA OS ATORES

1) Gánia conduz Míchkin à sua casa. Como é essa entrada, como é essa condução?
Objetivo desta seqüência: revelar o portal da casa dos Ívolguin, onde Míchkin depara-se pela primeira vez com a família, o álcool, o dinheiro. E com Nastássia Filípovna.

Gánia é a primeira pessoa que chama Míchkin pelo título do romance. Quais são os mil e um sentidos subterrâneos da palavra “idiota”?

GÁNIA – Idiota!
MÍCHKIN – Você me chama de idiota. Eu sei que sou um idiota. Mas, se eu sei que sou um idiota, como é que eu posso ser de fato um idiota? O general Iepántchin me deu aqui vinte e cinco rublos, e ainda tenho o troco da passagem. Acho que com isso consigo me arranjar. Você não precisa me hospedar na sua casa.
O que Gánia responderia a essa serena recusa? Gánia precisa hospedar Míchkin, porque este foi indicado pelo general Iepántchin, de quem Gánia é secretário. Mas hospedá-lo significa apertar ainda mais o seu espaço-consciência.

2) Míchkin entra no seu quarto, que fica entre o quarto de Ferdíchenka e o quarto do general Ívolguin. Atenção para a estreiteza angustiosa do entre-lugar.
Objetivo desta seqüência: revelar que nos cantos mais escusos da casa dos Ívolguin moram os fantasmas da consciência de Gánia, ou seja, os vagabundos, os miseráveis, os outsiders que ainda vestem o fraque da dignidade, mas impedem-no, a ele, Gánia, de subir na vida.

A casa dos Ívolguin é povoada de inquilinos que sublocam os seus sub-cantinhos a sub-inquilinos. Deles há muito mais do que no romance. Nina Aheksándrovna a mãe de Gánia, não sabe ao certo, mas é dona de uma grande casa de pensão. Quem são os outros habitantes dessa casa de pensão: crianças pobres, prostitutas, alcoólatras, agiotas, assassinos? Raskôlnikov, o assassino protagonista de Crime e castigo, não moraria no quartinho do sótão?

MÍCHKIN – Como o senhor se chama?
FERDÍCHENKA – Não sei.
Míchkin desata a rir.
FERDÍCHENKA – Mas eu sei que o senhor é o príncipe Míchkin. Muito prazer, Ferdíchenka.
Míchkin morre de rir.
FERDÍCHENKA (muito sério) – O senhor tem dinheiro?
MÍCHKIN (estacando o riso e colocando a mão na carta que está no bolso interno do seu paletó, além de colocar a trouxinha no colo, como de praxe) – Tenho. Algum.
FERDÍCHENKA (despachado) – Deixe eu ver.
MÍCHKIN (tirando da trouxinha os vinte e cinco rublos que o general Iepántchin lhe deu) – Aqui. Vinte e cinco rublos.
MÍCHKIN (entusiasmado, enquanto Ferdíchenka examina a nota contra a luz) – O senhor sabe o que significa a palavra “rublo”? Rublo significa madeira. Antigamente o dinheiro era de madeira.
FERDÍCHENKA – Engraçado... É, madeira... Vinte e cinco rublos... Essas notas às vezes ficam marrons, às vezes ficam cinzas. (Pausa.) Essa, por exemplo, não é marrom – mas também não é cinza. (Embolsando a nota.) O senhor sabia que passarinhos também comem dinheiro? Enfim, príncipe, por favor: se eu lhe pedir dinheiro, não dê, porque – Deus é testemunha – eu vou pedir.
Entra em cena o general Ívolguin, que já espiava a conversa do seu cantinho, e arranca do bolso de Ferdíchenka a nota de vinte e cinco rublos.

3) O general Ívolguin apresenta-se a Míchkin como um grande amigo do pai do príncipe. E como grande amante da mãe do príncipe. A mentira absoluta com o máximo da fé cênica. A nota de vinte e cinco rublos continua flutuando no ar. Até que entra em cena Kólia, anunciando o almoço, ou melhor, anunciando que a Dona Nina quer falar com Míchkin, o novo hóspede da casa.
Qual é a história que o general Ívolguin conta a Míchkin?

4) Intermezzo: enquanto Míchkin se troca para encontrar Dona Nina, é assediado por uma prostituta. Ou por outra personagem que não está no romance. Quem é ela?

5) DONA NINA – Se por acaso o general lhe solicitar o pagamento do aluguel, diga a ele que já está tudo direitinho, que já acertou tudo comigo. O senhor tem algum dinheiro?

6) Gánia entra em cena. A sua relação com a irmã e com a mãe, ou seja, as figuras fortes da casa. O mote da fala de Gánia (que se casará, supostamente, com uma “madona de má-lapa”, só por dinheiro.) Como é esse Gánia-galã, oprimido por um capitalismo que ele mesmo inventou? Mas Gánia é garrido. A briga de família. Enquanto de um lado, oculto, o general enche a cara, a família estampa o seu álbum: é uma vergonha subir assim na vida, casando-se por dote. Melhor seria, como fazem as mulheres da casa, tricotar dignamente o dia todo. E Gánia quer atravessar a costura. “O dinheiro dá tudo, o dinheiro é generoso, o dinheiro dá até talento.”

7) A sineta emperrada até agora não parou de tocar. É Nastássia Filípovna lá fora, tomando há tempos o mesmo sereno de degelo que tomou Míchkin ao chegar a São Petersburgo. Enquanto a família briga (e como é essa briga?), Míchkin perde-se pelo espaço da casa de pensão e acaba desemperrando a sineta. E abre a porta a Nastássia Filípovna, que o confunde com um criado, semelhante ao criado com quem Míchkin conversou na casa dos Iepántchin. Como se dá esse primeiro encontro ao vivo entre os dois? Como o retrato vira realidade?

Vadin

por Silvio Restiffe

A Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só no eterno ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só no eterno – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira

Notícias Ragôjan

Quem ascende as luzes na Champs-élysées é o próprio Demônio!
As vitrines roubam as almas dos homens...
Deus o livre de ver o que reluz por debaixo dos vestidos de sedas das madames...
as mulheres parisienses são elegantes,



os homens afeminados...
Ragôjan prefere... os elegantes!


Sérgio Siviero

direções

"Primeiro Passo tomar conta do Espaço/ Tem Espaço à beça e só você sabe o que pode fazer do seu / Antes ocupe, depois se vire / Olhe em volta, dê um rolê / Não esqueça que você está cercado / Cuidado com as imitações" (Torquato Neto)

Ci e Aury

Começamos do Espaço...para dentro das personagens, nos Tempos.

sábado, 12 de dezembro de 2009

O amor de Ragôjan:

Tenho aqui a impressão de uma neve que se anuncia, as ruas estão espalhadas em reflexos de um sol claro, anil e frio...adorei ler o envelope em que Vadim fala de mim no capítulo 3, pois tenho me visto assim, dormindo na estribaria de cavalos, conversando com eles todas as noites e de dia tendo que me apresentar com uma tentativa civilizada no metrô parisiense...
adoro a imagem de um lírico e não de um épico, de um Maiakóvski intempestivo.
Ontem foi um ferreiro que me acordou, batendo com seu martelo nos ferros avermelhados (sangrados pelo fogo) de uma ferradura, instrumento que aprisiona a liberdade dos cavalos cavalgarem....
ele batia nesse ferro como se estivesse a modelar o próprio coração de Ragôjan, modelar para que ele pudesse se moldar ao jeito de amar do príncipe, mas Ragôjan só ama como um cavalo e não como um jumento...o amor do cavalo não é incondicional como o do jumento... o cavalo age desejando o seu próprio e apaixonado prazer de cavalgar...
Ontem alimentei alguns cavalos, e eles ficaram, antes de receber o balde com farelo e milho, num estado de excitação tão grande que me deu vontade também desse amor selvagem, intempestivo, insaciável!
E quando o amor chegou, eles se silenciaram, todos juntos, e ajoelharam aos pés de seu amor, e ali poderiam ficar por horas a lamber e se lambuzar...

Sérgio Siviero - Ragôjan direto da França

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

novas fotos do início do processo de O IDIOTA


abertura dos trabalhos Aury, Otávio, Vadin, Alessandra, Laura, Luah
veja as fotos do início do processo no álbum idiota

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Terceiro dia:


Hoje pedi com insistência que Sergio fosse ver os cavalos...
estamos dormindo sobre/ao lado de uma estribaria, onde há muitos cavalos que me chamam para as tarefas matinais logo cedo...
minhas lembranças de trabalho com meu pai me assustam e me libertam...
consegui com todas as atividades do dia de trabalho no Atellier que meu companheiro de viagem faz, apenas alguns minutos de atenção, lendo mais um pequeno capítulo de nossa história...e uma caminhada no fim do dia no ar gelado e ao longo dos muros do Chateau Vincennes e da antiga fábrica de armas...eles me lembram de passagem um lugar de Pskov.
Mas os cavalos já estão repousando e alguns relinchos continuam a me atrair, entretanto, para não correr o mesmo risco, combinei, amanhã ele acordará uma hora antes de suas obrigações no Atellier para irmos ver como os homens daqui alimentam e escovam esses belos animais...

Ragôjan.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

na casa.livre

clique e veja as informações!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

CCBB - DOSTOIÉVSKI - ontem e hoje



palestra "Dostoiévski em Teatro e Cinema: Uma Atração Irresistível" (03/12/09)
com Cibele Forjaz, Aury Porto e Elena Vássina
mediação Ruy Cortez







quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

preparação de corpo de Lu Favoreto



por SylLisavieta

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

MICHKIN desenhando o corpo imagiário de Kólia


Aury

LISAVIETA a GIRAFA


sylvia caderno de anotações

O IDIOTA


Aury em ensaio na casa livre

GORILA RAGÔJAN



imagem atravessando mares de sérgio

Dostoiévski Ontem e Hoje - CCBB

Dia 1º de dezembro

19h – Dostoievski, nosso contemporâneo

Palestrantes:

* Igor Vólguin, Presidente da Fundação Dostoiévski, Prof. Dr. da Universidade Estatal de Moscou (MGU)
* Boris Schnaiderman, Prof. Emérito da USP, autor, pesquisador e tradutor das obras de Dostoiévski
* Manuel Costa Pinto, editor dos programas "Entrelinhas" e "Letra Livre" (TV Cultura), colunista da Folha de S. Paulo e editor do Guia da Folha- Livros, Discos, Filmes
* Mediador e Debatedor: Bruno Gomide, Prof. Dr. de Literatura Russa na USP

21h – “O Idiota”, filme de Frank Castorf, parte 1 (projeção digital)


Dia 2 de dezembro

19h – O Universo das Idéias na obra de Dostoiévski

Palestrantes:

* Deborah Martinsen, presidente da Sociedade Internacional Dostoiévski, Profa. Dra. da Columbia University (EUA)
* Fátima Bianchi, Profa. Dra. de Literatura Russa na USP, representante da Sociedade Brasileira de Dostoiévski
* Bruno Gomide, Prof. Dr. de Literatura Russa na USP
* Mediadora e Debatedora: Elena Vássina, Profa. Dra. de Literatura Russa na USP

21h – “O Idiota”, filme de Frank Castorf, parte 2 (projeção digital)



Dia 3 de dezembro

19h – Dostoiévski x Teatro e Cinema – Uma atração irresistível

Palestrantes:

· Elena Vássina, Profa. Dra. de Literatura Russa na USP

· Aury Porto, ator e diretor teatral

· Cibele Forjaz, diretora teatral

· Mediador e Debatedor: Ruy Cortez, diretor e pedagogo teatral

21h – “O Idiota”, filme de Frank Castorf, parte 3 (projeção digital)


Dia 4 de dezembro

19h – Dostoiévski e a Cultura Contemporânea
Palestrantes:

* Frank Castorf, diretor de teatro e diretor artístico do teatro de vanguarda de Berlim Volksbühne
* Aurora Bernardini, Profa Dra da Pós-graduação em Literatura e Cultura Russas da USP, pesquisadora e tradutora dos escritores e poetas russos
* Arlete Cavaliere, Profa Dra de Literatura Russa na USP
* Mediadora e Debatedora: Silvana Garcia, Profa. Dra. na USP, autora de “As Trombetas de Jericó. Teatro das vanguardas Históricas”

21h – “O Idiota”, filme de Frank Castorf, parte 4 (projeção digital)

Serviço:


Dostoiévski ontem e hoje

Curadoria: Elena Vássina e Antonio Gilberto

Coordenação geral: Antonio Gilberto

Produção: Interior Produções Artísticas Internacionais

Data: 1 a 4 de dezembro

Horário – 19h às 22h


Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo

Rua Álvares Penteado, 112 – Centro – SP

programação no site
http://www.bb.com.br/portalbb/page511,128,10166,1,0,1,1.bb?codigoMenu=9902&dtInicio=11&codigoEvento=2953

Ragojan e Michkin - Sérgio e Aury


foto fredy / sesc araraquara

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Ensaios ABERTOS

sonho

Tive um sonho.
Estava eu no colégio ainda eu estava de pé na parede do muro para o lado de fora da rua que não parava de se mexer um homem surgiu parecia estar voando flutuando embora seu corpo fosse de rocha
ele parecia estar voando ou flutuando vinha com os pés para o alto e suas mãos no chão
não tinha pelo no rosto tinha uma temperatura tropical em terra mãe fria e tinha no peito escondido seu segredo ouvi vozes saindo de lá de dentro risadas de esfinge olhos de direção asas de pássaros chocolates e cervejas fui entrar nessa estranha caixa toráxica
mas me chamaram...meu irmão me chama naquele tom... tom de... que não é mais meu irmão... porque me chama?... e assim me acorda na minha cama dura com uma chamada dura...?

K.

Diário de Viagem de Ragôjan!

SESC-Araraquara O IDIOTA ensaio

Cibele direção de O IDIOTA no SESC-ARARAQUARA


Ensaio da descida do palco-trem no Teatro SESC-ARARAQUARA


Otavio ensaiando no fosso do teatro no SES-ARARAQUARA O IDIOTA


Wander e Otavio no fosso do teatro experimentando o cheiro do personagem Lhêbediev

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

ENCENAÇÃO – Cibele Forjaz

A encenação de “O Idiota” parte de uma comunhão, conceitual e prática, entre todos os participantes, incluindo atores, técnicos e público em um mesmo rito de amor incondicional. O percurso do espetáculo, como nos passos da Paixão de Cristo ou nos Mistérios medievais, pressupõe um percurso em comum, onde se revive uma história que já aconteceu e que nos pertence simbolicamente. Todos os oficiantes identificam-se, então, com a fé no amor, mas, também, com a tragédia que se abate sobre ele e suas razões e “desrazões”. A contradição entre o amor incondicion al e a realidade da convulsão das paixões humanas, entre o bem estar comum e o bem estar individual, ecoa na consciência e na responsabilidade de cada um de nós. A tragédia acontece sempre por um triz, pela desmedida humana, acolhida pela coletividade, cúmplice. A catarse dessa tragédia é coletiva e o teatro busca retomar um papel como festa e rito da pólis. Onde os indivíduos se percebem como agentes fundamentais do coletivo.

O percurso pressupõe uma transformação dos indivíduos que dela participam. Cada passo ou estação instaura um lócus especial, onde se dá uma parte fundamental da Paixão e Fé do Príncipe Idiota. Todos somos atores dessa tragédia, fazemos parte de um mesmo mundo, viajamos, comemos e festejamos com ele... amamos o seu amor incondicional que nos enche de possibilidade e sofremos com o rumo dos acontecimentos trágicos, para onde a história vai, todos percebemos a nossa tragédia anunciada, o Idiota morre por nós para que possamos viver esta Paixão.

Leia prefácio do tradutor de "O Idiota"

Leia prefácio do tradutor de "O Idiota"

http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u245.shtml

da Folha de S.Paulo

Leia abaixo o prefácio do tradutor de "O Idiota", Paulo Bezerra", que descreve características da obra de Dostoiévski.

A VIDA COMO LEITMOTIV



O idiota é o quinto volume integrante das obras completas de Dostoiévski que a Editora 34 oferece ao público brasileiro em tradução direta do original russo. Iniciada com Memórias do subsolo, seguida de O crocodilo e Notas de inverno sobre impressões de verão, todos traduzidos por Boris Schnaiderman, depois Crime e castigo, traduzido por mim, e mais recentemente NiéNiezvânova, em tradução de Boris, a série ganha agora este romance desconcertante que tem a vida como leitmotiv.

A tradução

Cada nova tradução é uma tradução diferente, mesmo que as obras pertençam ao mesmo autor. O idiota é um romance em que a participação do narrador é maior do que, por exemplo, em Crime e castigo, mas isso não quer dizer que a tradução seja mais fácil: é igualmente complexa, e essa complexidade se deve à índole do próprio enredo e de suas linguagens, às peculiaridades de cada personagem e sua feição psicológica, à tensão entre os discursos e no interior de cada discurso, enfim, à tessitura das vozes que povoam o universo do romance e dão vida ao seu enredo. Em Dostoiévski, seja qual for o romance, cada personagem é um ser peculiar, dotado de individualidade própria e inconfundível, fato que se traduz na perfeita homologia entre a sua forma de ser e de expressar esse ser. Essa homologia é de tal forma consistente que cada alteração, por mínima que seja, no estado da personagem e na sua relação com o seu mundo reflete-se imediatamente na forma de expressão, isto é, na fala da personagem: quando essa relação é de entendimento mútuo a linguagem é mais fluente, quando é complexa e conflituosa a linguagem é proporcionalmente complexa. Nesse contexto as variações do estado psicológico da personagem refletem-se imediatamente na sua maneira de expressar-se, na sua linguagem. Daí as constantes evasivas no discurso, as expressões reticentes, as orações formadas apenas por partículas sem participação de verbo ou substantivo, os abundantes "certo", "pelo visto", "em parte", "um tanto", "como que", "de certa forma", "vai ver que...", "quem sabe...", "quer dizer...", "diz-se", que parecem ter função de restringir a significação do discurso ou exprimir dúvida quanto à justeza do que foi dito, embora caiba ressaltar que tais expressões são um desafio consciente que o autor faz ao leitor a fim de que este atente para a significação daquelas palavras que as referidas expressões parecem restringir. Todos esses elementos estilísticos são índices caracterológicos e parte inalienável do perfil de cada personagem e requerem do tradutor um tratamento especial, porque sua omissão representaria uma lacuna no conjunto da imagem de cada personagem, desfigurando-a e dificultando uma visão do conjunto da mesma. Trata-se de uma estratégia consciente do autor, que, fazendo a personagem usar sua própria linguagem, faz dela uma representante bem caracterizada do seu universo social, levando-a também a refletir pela fala o seu estado psicológico. Isso abrange todas as personagens do romance O idiota, particularmente a personagem central, o príncipe Míchkin.

O idiota é um romance marcado por uma forte oralidade. Isso diz respeito à postura do próprio narrador, que a cada instante parece narrar de um só ímpeto, com sofreguidão, sem tomar fôlego, como quem está certo de que a história tem de ser contada hoje, agora, neste momento. Diz respeito igualmente às falas das personagens, principalmente à do príncipe Míchkin, cujo discurso funde uma dupla sofreguidão: uma, causada por uma espécie de momentânea hiperatividade verbal proveniente da epilepsia, outra, pelo seu aguçado sentimento humanista da vida, que se traduz na díade amor-compaixão e o faz sentir a urgência, a necessidade premente de pronunciar-se aqui e agora a respeito de todo e qualquer problema que, de uma forma ou de outra, possa ofender e humilhar o ser humano e interferir no seu destino no plano pessoal ou histórico. É essa sofreguidão de Míchkin que dá ao seu discurso — com mirada precisa para os ouvintes — o tom de uma oralidade intensa, como se o autor o deixasse correr solto, sem qualquer necessidade de estilizá-lo, de colocá-lo sob a sua batuta. Daí a sinuosidade, os encontrões de umas palavras em outras, os aparentes vai-não-vai, as justaposições de conceitos, o cruzamento e a interseção de mais de uma consciência na consciência do falante, de mais de um ponto de vista em seu ponto de vista, a interferência velada de outras vozes em sua própria voz. Tudo isso, não obstante, resume a tentativa quase desesperada de se fazer ouvir, de fazer seu ponto de vista ser entendido e aceito, e provoca certa descontinuidade no fluxo verbal, certo atabalhoamento na fala de Míchkin, o que leva alguns interlocutores a pedirem constantemente que ele tenha calma, que deixe para falar depois, mais tarde. Essa oralidade intensa nós procuramos preservar na tradução, o que faz o texto parecer ora atabalhoado, ora brusco, ora tosco, como se por trás dele não houvesse uma instância criadora preocupada em lhe dar organicidade. Acontece, porém, que a organicidade da personagem Míchkin, epiléptico e humanista em conflito com o manicômio social chamado Petersburgo, está precisamente nesses elementos atabalhoadores do seu discurso, que atestam a riqueza de sua personalidade. Daí a nossa preocupação de preservá-los na medida do possível em virtude do nosso comprometimento ético com a palavra do outro, que nos impõe a busca do máximo de fidelidade possível ao original em todas as suas nuances, a despeito da opinião de quem porventura considere que Dostoiévski escrevia mal.

Um pouco da história

Em 1867, depois de receber da revista Rússkii Viéstnik (O Mensageiro Russo) uma grande quantia como adiantamento pelo futuro romance O idiota, Dostoiévski parte com a segunda mulher, Anna Grigórievna, para uma temporada de quatro anos (1867-1871) no exterior entre a Alemanha (em Baden-Baden, ele concebe a idéia do romance), a Áustria, a Suíça e a Itália. Em 28 de agosto de 1867 ele escreve a A. N. Máikov, seu editor: "Acabo de chegar a Genebra com as idéias na cabeça. O romance já existe e, se Deus quiser, será uma coisa grande e talvez nada má. Eu gosto terrivelmente dele e vou escrevê-lo com prazer e inquietação".1 Além do adiantamento já recebido em dinheiro, escreve a conhecidos e desconhecidos pedindo que lhe enviem dinheiro da Rússia, e quando o recebe corre imediatamente para a roleta, onde costuma perdê-lo. Aí está o Dostoiévski real, sempre escrevendo sob pressão de dívidas contraídas por conta de um livro cuja idéia só vai conceber depois de receber o adiantamento, e prometendo escrever "com deleite e inquietação", duas sensações contraditórias. Mas sem esse "sufoco" financeiro e sem essa contradição ele não seria Dostoiévski.

A personagem central e seus protótipos

Antes de conceber O idiota, Dostoiévski já vinha nutrindo a idéia de criar uma personagem que encarnasse uma perfeição ideal capaz de fascinar tanto os contemporâneos quanto as gerações futuras. Sabia da dificuldade do empreendimento e o expressou em carta de 13 de janeiro de 1868 a S. A. Ivánova: "A idéia do romance é uma idéia minha antiga e querida, mas tão difícil que durante muito tempo não me atrevi a colocá-la em prática... A idéia central do romance é representar um homem positivamente belo. No mundo não há nada mais difícil do que isso, sobretudo hoje. Todos os escritores, tanto nossos quanto... europeus, que se propuseram representar o positivamente belo, sempre acabaram se dando por vencidos. Porque esse problema é imenso. O belo é um ideal, e o ideal — seja o nosso, seja o da Europa civilizada — ainda está longe de ser criado". Dostoiévski, em seguida, diz que para ele só Cristo é uma "personagem positivamente bela"; faz um apanhado dos melhores protótipos da literatura universal que lhe servem de ponto norteador na construção da imagem de Míchkin; ressalta que pretende dar outra solução ao problema e vê apenas Dom Quixote como a personagem mais bem acabada da "literatura cristã". Mas o belo no Quixote reside também no fato de que ele é simultaneamente cômico. O Pickwick de Dickens também é cômico e só por isso ele o considera. É bem conhecida a paixão de Dostoiévski pela imagem do Dom Quixote, que ele via como a consumação das melhores qualidades da pessoa humana — o apego à justiça e à bondade. Além do Cristo em que Dostoiévski se baseia — o Cristo homem, capaz de imensa ternura e também de grande indignação —, a esses protótipos ele ainda acrescenta em Míchkin outros traços como o de esquisito e iuród; o esquisito é aquele que se desvia acentuadamente do papel social que lhe destinam, o iuród tanto pode ser um indivíduo atoleimado, juridicamente irresponsável, como um mendigo e louco com dons proféticos. E note-se que Míchkin tem uma capacidade excepcional de penetrar na interioridade das pessoas e defini-las.

Dostoiévski estava ciente de que o sucesso do romance como um todo dependia da sua capacidade de construir bem a personagem central, esse homem positivamente belo, uma tarefa que ele achava tão difícil que a considerava quase fora do alcance do artista. Prova disso é que fez oito projetos para o livro, pensado inicialmente como constituído de oito partes, e reconstruiu várias vezes a história e a imagem de Míchkin e das outras personagens; substituiu ou modificou os protótipos para a história de Míchkin, de Rogójin, dos Iepántchin e da própria Nastácia Filíppovna, primeira personagem de quem teve uma idéia mais ou menos estável desde o começo da escrita do romance; e ao término da escrita o romance estava reduzido a quatro partes. Às dificuldades próprias do processo de construção do enredo juntavam-se outras piores: as crises de epilepsia, com perturbações dos nervos seguidas de momentos de total embotamento, nos quais chegou a passar mais de vinte dias sem nada conseguir escrever. Uma coisa, porém, esteve muito clara em sua mente desde os primeiros esboços: a personagem de Míchkin tinha de atingir o grau supremo da evolução do indivíduo, quando ele é capaz de sacrificar-se em benefício de todos. Para isso deveria estar isento de individualismo e de egoísmo, ser capaz de abdicar do "eu para mim" em prol do "eu para os outros", para a coletividade, isto é, de realizar o supremo ideal ético do próprio Dostoiévski, que este só considerava possível em Cristo, e que pode ser resumido da seguinte maneira: "... o mais alto emprego que o homem pode fazer de sua personalidade, da plenitude do desenvolvimento do seu eu, é como que eliminar esse eu, consagrá-lo inteiramente a todos e a cada um, sem reservas e com abnegação". Daí o Míchkin com sua utopia do amor-compaixão por todos, por Marie e pelas crianças, por Hippolit, Keller, Liébediev, predominantemente por Nastácia Filíppovna, personagem complexa e mais uma integrante da galeria de humilhados e ofendidos tão cara ao romancista. Na construção da imagem de Míchkin, predomina o tema da superação do egoísmo burguês. Para Dostoiévski essa é uma questão filosófica de importância transcendental, pois sem a superação do egoísmo burguês pode-se inviabilizar a vida do homem na face da terra.

Entre Filoeslavismo e Ocidentalismo

No estrangeiro, a exemplo do que fizera na primeira viagem, quando transformou suas observações do Ocidente na novela Notas de inverno sobre impressões de verão, Dostoiévski observa a civilização ocidental e faz de Míchkin um defensor, uma espécie de porta-voz de uma Rússia genuína e original, onde até o Cristianismo é diferente do Ocidental. No salão dos Iepántchin, perante a alta sociedade petersburguense, ele defende idéias políticas e culturais muito semelhantes às do filoeslavismo. Essa corrente político-filosófica defendia, entre outras coisas, uma via própria de desenvolvimento para a Rússia desvinculada da experiência da Europa Ocidental, uma concepção da exclusividade da história russa baseada em um modo de vida comunitário, na ausência de conquistas e luta social no início de sua história, na obediência do povo aos poderes e na Igreja ortodoxa como integridade viva, que o filoeslavismo contrapunha ao catolicismo "racional", absolutizando as diferenças entre as religiões ortodoxa e católica, e chegando até a obnubilar a origem comum das duas. Segundo seus adeptos, só os povos eslavos, predominantemente o russo, traziam implícitos os verdadeiros princípios da vida social, ao passo que os outros povos se desenvolviam à base de princípios falsos e só poderiam encontrar a salvação na religião ortodoxa. Rejeitavam ainda os vícios da civilização européia, entre eles o progresso das relações fabris (lembre-se a crítica de Liébediev às estradas de ferro). Portanto, o pensamento de Míchkin se aproxima muito dessas concepções. Entretanto Dostoiévski endossava apenas alguns aspectos do filoeslavismo, e a mesma atitude mantinha em relação aos ocidentalistas, isto é, àqueles que defendiam para a Rússia uma via mais ou menos semelhante à que seguiram os países ocidentais. A crítica de Míchkin aos liberais russos visa em parte aos ocidentalistas.

O tema da vida humana como valor supremo atravessa o romance do começo ao fim e se manifesta predominantemente no horror de Míchkin à violência e à morte, e esse horror o faz contar e recontar um epidósio de execução de um condenado à morte que assistira há algum tempo. Depois de afirmar que a morte por sentença é "uma profanação da alma", ele diz: "E todavia a dor principal, a mais forte, pode não estar nos ferimentos e sim, veja, em você saber, com certeza, que dentro de uma hora, depois dentro de dez minutos, depois dentro de meio minuto, depois agora, neste instante — a alma irá voar do corpo, que você não vai mais ser uma pessoa, e que isso já é certeza; e o principal é essa certeza". E arremata: "A morte por sentença é desproporcionalmente mais terrível que a morte cometida por bandidos. Aquele que os bandidos matam, que é esfaqueado à noite, em um bosque, ou de um jeito qualquer, ainda espera que se salvará sem falta, até o último instante... essa última esperança, com a qual é dez vezes mais fácil morrer, é abolida com certeza; aqui existe a sentença, e no fato de que com certeza não se vai fugir a ela reside todo o terrível suplício, e mais forte que esse suplício não existe nada no mundo". Todo esse horror insuportável de Míchkin à morte se consuma na cena final no quarto de Rogójin.

O tema da vida em contraposição à morte é tão intenso ao longo do romance que são muito freqüentes as citações e referências a O último dia de um condenado à morte, de Victor Hugo. As observações de Míchkin têm um tom autobiográfico, pois são muito semelhantes à experiência vivida pelo próprio Dostoiévski quando da sua condenação à morte por "conspiração política" e da encenação da sua execução. Vejamos o que ele escreve ao irmão Mikhail no mesmo dia:

"Hoje, 22 de dezembro, fomos levados à praça de armas do regimento Semeónovski. Ali foi lida para todos nós a sentença de morte, deram-nos a cruz para beijar... e prepararam nossos trajes para a morte (camisões brancos). Em seguida prenderam três aos postes para a execução da sentença. Chamavam de três em três, portanto eu estava na segunda fila e não me restava mais de um minuto de vida. Eu me lembrei de ti, meu irmão, de todos nós três; no último minuto tu, só tu estavas em minha mente, e só então fiqueisabendo como te amo, meu irmão querido! Tive tempo de abraçar também Pleschêiev, Dúrov, que estavam ao lado, e despedir-me deles. Por fim bateu o sinal, fizeram voltar os que estavam presos aos postes, e leram para nós que sua majestade imperial nos dava a vida. Depois as verdadeiras sentenças tiveram prosseguimento...
Irmão! Não me abati e nem caí em desânimo. A vida é vida em qualquer lugar, a vida está em nós mesmos e não fora. Ao meu lado haverá pessoas, e ser homem entre elas e assim permanecer para sempre, quaisquer que sejam os infortúnios, sem perder a coragem nem cair em desânimo — eis em que consiste a vida, em que consiste o seu objetivo. Eu estava consciente disso. Essa idéia arraigou-se em mim. Sim! É verdade! Aquela cabeça que criava, que vivia a vida suprema da arte, que era consciente e habituara-se às demandas superiores do espírito, aquela cabeça já havia sido cortada do meu pescoço. Restaram a memória e as imagens criadas e ainda não concretizadas por mim. Elas haverão de me ulcerar, é verdade! Mas em mim restaram o coração e aqueles sangue e carne que podem amar, e sofrer, e compadecer-se, e lembrar-se, e isso é vida apesar de tudo.
On voit le soleil.2 Bem, irmão, adeus! Não te aflijas por mim!... Nunca na vida reservas tão abundantes e sadias de vida espiritual haviam fervido em mim como neste momento. Mas se o corpo vai agüentar eu não sei...
Meu Deus! Quantas imagens, sobreviventes, criadas por mim irão morrer, irão apagar-se em minha cabeça ou derramar-se em meu sangue como veneno! É, se não puder escrever eu vou morrer... Em minha alma não há fel nem raiva, gostaria de amar muito e abraçar ao menos alguma das pessoas de antes neste momento. Isso é um deleite, eu o experimentei hoje ao me despedir dos meus entes queridos perante a morte... Quando olho para o passado e compreendo quanto tempo perdi em vão, quanto perdi com equívocos, com erros, na ociosidade, na inabilidade para viver, como deixei de apreciá-lo, quantas vezes pequei contra meu coração e minha alma, meu coração se põe a sangrar. A vida é uma dádiva, a vida é uma felicidade, cada minuto poderia ser uma eternidade de felicidade".
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Muitas das considerações aí expostas se assemelham à análise que Míchkin faz do episódio da execução.

O dinheiro na obra de Dostoiévski

O motivo do dinheiro é um tema recorrente em toda a obra de Dosévski. Para o romancista, o dinheiro é um fator de reformulação, desintegração e destruição do psiquismo humano. Arkadi Dolgoruk, personagem de O adolescente, afirma: "O dinheiro, evidentemente, é um poderio despótico, mas é ao mesmo tempo a mais grandiosa igualdade, e nisto reside toda a sua força principal. O dinheiro iguala todas as desigualdades". Em O idiota, Gánia Ívolguin fica irritado porque o príncipe Míchkin diz que ele não tem originalidade e ele retruca, argumentando sua gana por dinheiro: "Isso, meu caro, há muito vem me deixando louco, e eu quero o dinheiro. Uma vez com o dinheiro, saiba que serei um homem original no supremo grau da palavra. O dinheiro é mais abjeto e odioso porque ele dá talento". O mais impressionante em Gánia é que ele não consegue sentir paixão por nenhuma das duas belíssimas mulheres com quem se envolve; sua paixão é unicamente pelo dinheiro: "Estou indo por paixão... porque eu tenho um objetivo capital". Bakhtin afirma que: "Quanto mais coisificada a personagem, tanto mais acentuadamente se manifesta a fisionomia da sua linguagem".4 Gánia é essa personagem coisificada que, como Lújin de Crime e castigo, tem uma linguagem economicamente cifrada e um objetivo "capital". Assim, Gánia é uma espécie de símbolo de uma das contradições da sociedade burguesa: esta nivela o indivíduo e, através do dinheiro, sobrepõe o impessoal ao pessoal. Gánia sabe que não tem talento nem originalidade, mas sonha consegui-los através do dinheiro. E é também pelo dinheiro que experimenta a suprema humilhação por parte de Nastácia Filíppovna. Esta, consciente da sua condição de humilhada e ofendida pelo dinheiro e seu possuidor, zomba do dinheiro e de todos aqueles que fazem dele o objetivo maior de suas vidas. Se a atração que o dinheiro exerce sobre os outros indivíduos leva-os à escala mais baixa da sua dignidade, em Nastácia Filíppovna ele é objeto de repulsa por ser também o motivo da sua desgraça e do seu desencontro com o mundo. O episódio da compra de Nastácia Filíppovna e do lançamento do dinheiro ao fogo por ela constitui uma das páginas mais notáveis da literatura universal.

O idiota foi um imenso sucesso editorial. A crítica em geral o recebeu muito bem, alguns críticos até efusivamente, mas, como todos os romances anteriores de Dostoiévski, também esbarrou em vozes discordantes e numa ítica de tendência nitidamente desqualificadora. Essa crítica considerou Míchkin uma personagem irreal. A esse tipo de crítica Dostoiévski responde assim:

"Eu tenho minha concepção de real (em arte), e aquilo que a maioria chama quase de fantástico e excepcional para mim constitui, às vezes, a própria essência do real. O rotineiro dos fenômenos e a visão estereotipada dos mesmos, a meu ver, ainda não são realismo, são até o contrário... Porventura meu fantástico Idiota não é realidade, e ainda a mais rotineira!? Ora, é precisamente neste momento que deve haver semelhantes caracteres em nossos segmentos sociais desvinculados da sua terra, segmentos esses que, na realidade, se tornam fantásticos".

Dostoiévski defende o seu romance e o faz com a elevação teórica do gênio que tem resposta profunda para questões aparentemente simples, e desenvolve uma teoria do real que irá permanecer ao lado de sua grande obra.

Paulo Bezerra

Notas de rodapé
1 As citações das cartas, assim como a definição teórica de realismo dada pelo próprio Dostoiévski, baseiam-se nas notas dos organizadores da edição das obras completas de Dosévski em trinta tomos.
2 Há sol (em francês).
3 Apud Borís Búrsov, Lítchnost Dostoievskovo (A personalidade de Dostoiévski), Moscou, Ed. Soviétskii, Pissátiel, 1974, pp. 157-8.
4 Mikhail Bakhtin, Problemas da poética de Dostoiévski (tradução de Paulo Bezerra), Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2ª edição, 1997, p. 182.
Conhecemos um homem pelo seu riso; se na primeira vez que o encontramos ele ri de maneira agradável, o íntimo é excelente.
D.

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